Emendas constitucionais, enquanto produto de um poder constituído pela própria Constituição, estão sujeitas ao controle de constitucionalidade. Devem respeitar os princípios explícitos e implícitos com os quais o poder constituinte defendeu na origem os regimes que estabeleceu. Ora, por regime, a Constituição Federal adotou a garantia do direito de propriedade (art. 5o, XXII). Logo, por princípio, o Estado só pode desapropriar por necessidade ou utilidade pública ou no interesse social (art. 5o, XXIV). Esse princípio, que garante explicitamente a propriedade no seu todo, também a garante nos seus aspectos particulares, implicitamente, pois garantir um todo sem garantir suas partes é não garanti-lo em nada. Tanto é verdade que, mesmo no caso de iminente perigo, até o uso de propriedade particular por autoridade competente assegura ao proprietário indenização ulterior, se houver dano (art. 5o, XXV). Outro princípio determinante do regime da propriedade na Constituição de 1988 é o da função social (art. 170, III). Autoriza, por exemplo, a expropriação de terras e confisco de bens usados para fins criminosos, como culturas ilegais de plantas psicotrópicas e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 243, caput e parágrafo único).
Além do uso pelo dono ou por outrem, inclusive por autoridade competente, outro aspecto prático ligado particularmente à propriedade é o da sua tributação. Também neste aspecto – analogamente ao uso e à expropriação – deve o Pode Público respeitar os princípios constitucionais garantidores do direito de propriedade, sob pena de ofender o regime constitucional, incidindo em inconstitucionalidade. Ora, ao estabelecer no art. 182 as condições em que poderá ser progressivo o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o constituinte deixou aí fixados, originariamente, explícitos ou implícitos nos explícitos, os princípios que regem a progressão do IPTU. Entre eles, dois. Primeiro, que mediante lei específica para área incluída no plano diretor, esse imposto poderá ser progressivo no tempo, desde que o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado deixe de promover seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4o, II). Segundo, que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, § 2o).
Estes são princípios originais da Constituição. Não podem ser violados de nenhuma por emendas ou leis. A progressão do IPTU não pode dar-se em outras condições. Só poderá ocorrer progressão no tempo e nessa base. Ora, a Emenda Constitucional 29/2000 acrescentou a possibilidade de ser o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel. Logo, no que altera as condições da progressão, essa Emenda é inconstitucional. É importante notar que ela muda a base da tributação progressiva, que deixa de ser o descumprimento da função social, para ser o simples valor do imóvel. Assim, ofende o princípio da isonomia tributária. Por exemplo, dois imóveis iguais e contíguos, situados no mesmo local urbano, podem ser objeto de IPTU progressivo somente em razão do seu valor. Mas, ainda mais, como o maior valor poderia resultar do melhor aproveitamento social do imóvel, aí a progressão puniria o proprietário operoso em vez do faltoso. O que feriria mortalmente o princípio básico da progressividade, onerando o atendimento e não o descumprimento da função social. Para não falar na brecha que aí se abre para outros desvios, como perseguições políticas ou administrativas...
Desnecessárias, outras razões, para demonstrar que a Emenda 29/2000 à Constituição de 1988 e a Lei do Município de São Paulo nº 13.250/2001 são inconstitucionais. Não é necessário sequer apelar para as "cláusulas pétreas", as quais – de resto – seriam de duvidosa aplicação no caso de princípios tributários que são normas de ordem pública.