Em artigo neste jornal (4/5/00, p.12), o Deputado Paulo Julião deu notícia de que apresentou na Assembléia Legislativa paulista projeto de lei visando a conceder, aos que não cometeram infrações de trânsito, descontos no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). O mesmo fim guiou a Lei nº 11.400, de 21/12/99, já em vigor no Rio Grande do Sul, a qual, nascida da derrubada do veto, foi promulgada pelo Presidente da Assembléia Legislativa e, previsivelmente, será impugnada pelo Governador em ação de inconstitucionalidade. O projeto de lei paulista inicia sua tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em ambos os casos, mais uma vez se apreciará a questão de ser privativa do Executivo a iniciativa das leis tributárias. Daí, a conveniência de reexaminar o tema, causador de debates.
A iniciativa privativa do Presidente da República (§ 1o do art. 61 da Constituição Federal) não inclui as leis tributárias, exceto as de Territórios. A Constituição diz claro, nas alíneas do inc. II do § 1o desse art. 61, quais são os casos em que a iniciativa privativa do Presidente da República alcança, além da União, Estados e Distrito Federal, também os Territórios. Mas nada disse de iniciativa privativa em matéria tributária, salvo para Territórios (alínea "b"). Fora daí, o Executivo não tem iniciativa privativa de leis tributárias. Destas, a iniciativa segue a norma geral (caput do art. 61).
Ademais, nenhuma competência privativa para iniciar lei tributária decorre do inc. II do caput combinado com o § 2o do art. 165 da Constituição federal. Aí se lê que lei de iniciativa do Executivo estabelecerá diretrizes orçamentárias, dispondo entre outras matérias sobre as alterações na legislação tributária. Mas daí não se conclui ser privativa do Executivo a iniciativa da lei tributária. A lei de diretrizes orçamentárias (LDO) dispõe apenas sobre alteração e não sobre início da legislação tributária. Dela não resulta exceção à iniciativa da legislação tributária. Pressuposto de alterar é existir. Como alterar o que não existe? Normas sobre alteração não atingem o início da existência da coisa alterada. Como seu nome diz, a LDO apenas fixa diretrizes sobre alterações da legislação tributária, respeitados os princípios constitucionais da tributação, inclusive o da não-privatividade da iniciativa legislativa. Caso contrário, a LDO – em vez de diretrizes orçamentárias – faria exceções às normas constitucionais da tributação, o que seria inconstitucional. Em verdade, a LDO é de iniciativa privativa do Executivo exatamente porque não é lei tributária, mas orçamentária. Orçamento é próprio do Governo. Por isso, a Constituição faz privativa do Executivo a iniciativa das leis orçamentárias. Mas não das leis tributárias. Tributo interessa a todo o povo e, por isso, a todos os Poderes que agem em nome do povo. Daí, a abertura da iniciativa legislativa tributária.
Tudo isso vale para estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, cujas constituições, a molde da Federal, não reservam ao Executivo a iniciativa das leis tributárias. Basta ler o § 1o do art. 61 da Constituição federal, bem como os artigos 60, 82 e 149 da Constituição rio-grandense-do-sul e o § 2o do art. 24 da Constituição paulista, para verificar a constitucionalidade da iniciativa da lei gaúcha e do projeto de lei paulista que estimulam a correção e a pontualidade do contribuinte com descontos no IPVA.
Não se diga que os descontos tumultuariam a execução orçamentária, ao retirar receitas com que o Governo contava. Esse argumento talvez valesse, se fosse imediata a execução. Mas é anulado pelo princípio da anterioridade tributária, presente na Constituição federal (art. 150, III, b) e em todas as estaduais: tributos e, por decorrência, aumentos e descontos tributários só se cobram no exercício seguinte ao de sua criação, a fim de dar tempo, ou ao cidadão para se adaptar ao tributo, ou ao Estado para se adaptar ao desconto.
Não há por que afastar uma legislação que é plenamente constitucional e, no mérito, premia o bom cidadão. Ela atende adequadamente à função social da tributação e à função premial do direito. Compõe o interesse da Cidadania com o do Estado. Premiar o bom para realçá-lo como modelo social é um dos papéis do direito. A função premial ganha vulto sobre a função punitiva, à medida que o avanço social propicia a evolução cultural do Estado democrático de direito. Dessa evolução, paulistas e gaúchos têm sido pioneiros e, no caso deste desconto plenamente constitucional, serão modelo para os demais estados.
Ainda que atualmente não existam Territórios no Brasil, podem ser criados e, por isso, a Constituição Federal dispõe normas acerca deles.