1. INTRODUÇÃO
As transformações da Constituição deveriam interessar a todos quantos abrigam sob ela os seus direitos e obrigações. Sobretudo, aos cidadãos. Porém, anunciada uma reforma constitucional, poucos são os que procuram discuti-la. Exceção seja feita a algumas reformas especiais, como a política, a judiciária, a tributária, a previdenciária, que atraem o interesse dos agrupamentos sociais mais diretamente afetados. Estes, em busca do apoio da sociedade geral, lutam por levá-la da apatia à simpatia. Mas, além dessas reformas mais densas e extensas, o fato verificado na apuração da experiência histórica é que qualquer reforma, por menor que seja, pode colocar em risco os princípios do Estado Constitucional, dos quais resulta a segurança dos direitos e, máxime, a dos direitos adquiridos.
Sem garantia dos direitos subjetivos, não há segurança do direito objetivo. Este fica exposto a ser rasgado. Os próprios legisladores, que o puseram autoritariamente, logo o podem negar, sonegar, renegar, do mesmo modo autoritário. Do outro lado, os sujeitos que o deveriam obedecer dele se esquivam, sempre que possível, ou até o desacatam abertamente. Nas relações jurídicas, a desconfiança prévia e os atritos sobrevindos generalizam um clima de infirmeza, pois nem sequer a perfeita juridicidade dos atos assegura a fruição dos seus efeitos jurídicos. Eis por que a segurança dos direitos é o princípio da segurança do Direito.
Esse princípio é original do constitucionalismo e essencial ao Estado Constitucional de Direito. Foi apregoado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Aí se lê que toda sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos não tem Constituição. Ou seja: uma sociedade sem garantia dos direitos, embora tenha constituição no sentido comum e geral, não a tem no sentido maiúsculo e especial em que o termo foi empregado pelo constitucionalismo revolucionário contra o absolutismo arbitrário, na era histórica em que se pôs fim à monarquia absoluta.
De fato, todo ser tem constituição, porque nenhum ser existe, se não se tiver constituído de um certo modo: com certos elementos mantendo entre si certas relações elementares. Constituição é a estrutura fundamental de um ser: é pressuposto da sua existência. Pelo que, nesse sentido genérico, toda sociedade – inclusive qualquer sociedade estatal – tem constituição. É o conjunto de elementos e relações elementares que constituem a organização basilar de sua existência. Mas nem toda sociedade tem Constituição no sentido especial de garantir a si mesma a condição de Estado de Direito. Somente a terá a sociedade cujo Estado ficar submetido à sua própria Constituição, o que implica assegurar os direitos adquiridos segundo suas normas constitucionais, no todo ou na parte em que já foram adquiridos pela atividade jurídica dos indivíduos e cidadãos. É com esse sentido específico – assegurar os direitos para assegurar o Direito – que a Constituição se erige como pressuposto, não de um Estado qualquer, mas do Estado Constitucional de Direito, cuja constitucionalidade formal e material é inseparável de sua existência como Estado Democrático de Direito. É verdade incontestável – a não ser por doutrinas ligadas a regimes autoritários – que “pressuposto basilar do Estado de Direito é seu vínculo de subordinação ao princípio da supremacia da Constituição”. Porém, não de qualquer constituição, dado que a Constituição de um Estado de Direito implica determinadas condições que a ele são imprescindíveis.
2. CONSTITUIÇÃO DE UM ESTADO DE DIREITO
A finalidade maior para a qual as constituições estatais começaram a ser escritas no final do século XVIII – resultando num livro chamado Constituição – foi a de assegurar a liberdade do indivíduo contra o arbítrio do rei. Para tanto, não bastaria escrever a constituição costumeira já existente, trocando o mesmo pelo mesmo, apenas o revestindo de nova forma. Além de escrever a Constituição, era preciso inscrever nela mecanismos que fossem os necessários e suficientes para afiançar a liberdade individual, reprimindo a absoluta concentração de poderes nas mãos dos reis, que facilmente descambava para o arbítrio. Os mecanismos institucionais, então considerados os bastantes para esse fim, foram a separação dos poderes que os governantes detêm sobre os governados e a declaração dos direitos que os governados têm diante dos poderes dos governantes.
Inscritos no texto constitucional, esses mecanismos deram à constituição escrita uma feição especial, diferente e polêmica, capaz de contraverter a acepção tradicional, genérica e indiferente, do termo “constituição”. Foi assim que, ao revés de quando era usado indistintamente, esse termo assumiu uma significação polêmica, ao ser aplicado a normas escritas para definir elementos e relações elementares inseridos na estrutura do Estado para, deliberadamente, assegurar os direitos e determinar a separação dos poderes.
Uma tal acepção polêmica contra o absolutismo, dada à Constituição logo que ela passou a ser escrita, foi a que marcou o início do constitucionalismo, definindo-o nos seus primeiros tempos como um movimento ideológico oposto à ideologia que sustentava a monarquia absoluta. O sentido original da Constituição escrita, portanto, está em declarar para garantir os direitos, bem como em dividir para separar os poderes. Sem o que não há sequer uma verdadeira Constituição, nem muito menos a Constituição de um verdadeiro Estado de Direito. Em suma, se não se dividir com alguma separação o poder por entre poderes, ainda que não mais pela separação dita clássica, e se não se garantir a plenitude dos direitos, sobretudo depois de serem adquiridos, a Constituição não preservará o Estado de Direito. Esse princípio institucional vem estabelecido desde o princípio histórico do constitucionalismo, a partir do artigo 16 de Declaração de 1789. Desobedecido, não resultará constituído um Estado de Direito.
Eis um motivo – a preservação do Estado de Direito pela Constituição – que aconselha a fixar princípios, regras, parâmetros, para manter a juridicidade de uma reforma constitucional politicamente sensível, como a da Previdência Social.
“Todavia, cumpre advertir que não se deve confundir o advento de uma nova Constituição com a introdução de reformas ou emendas à Constituição atual.” Sem dúvida, há uma diferença essencial entre substituição e reforma. “A substituição de uma Constituição por outra se dá independentemente de norma jurídica.” Porém, a reforma não. Esta fica sujeita às normas do direito intertemporal, o qual demarca as balizas jurídicas a serem conservadas e observadas pela transição da situação anterior à posterior. Sem essa preservação, facilmente poderá o Estado resvalar do Direito para a mera legalidade.
3. ESTADO DE DIREITO E ESTADO DE LEGALIDADE
Não se confunda Estado de Direito com Estado de Legalidade, pois a distinção entre ambos é imprescindível à justa atuação da lei. No mero Estado de Legalidade, dito também “Estado legal”, a lei é editada e aplicada independentemente de resultar em opressão dos direitos. Impera o legalismo, a forma mais sutil do autoritarismo, na qual o espírito autoritário se encarna na própria lei. Na elaboração, impõe à lei o conteúdo político que convém às autoridades do momento. Na aplicação, exige que a lei seja cumprida à risca, por mera interpretação literal, independentemente dos valores maiores historicamente conquistados pela sociedade humana. Pouco importa que daí sobrevenha a ruína do Estado de Direito, pois a lei se justifica por si mesma, segundo a máxima de que “lei é lei” e tem de ser cumprida.
Que a lei tem de ser cumprida, todos nós sabemos e queremos. Mas não para gerar ou respaldar a degradação do Direito e do Estado, mas sim para realizar o Estado de Direito e, ainda muito mais, o Estado Democrático de Direito. O que implica – acima de tudo – executar ou, no mínimo, respeitar a sua Constituição, sob pena de desandar para a desordem e avançar para a tirania.
Logo que proclamada a República brasileira, comentando a primeira Constituição republicana, no preceito que bania as leis retroativas (art. 11, n. 3), já Carlos Maximiliano – cuja famosa Hermenêutica e aplicação do direito ainda estava no prelo – advertiu: “Legislar para o passado é um abuso de poder que se praticou apenas em épocas de desordem e tirania.” Realmente, onde a lei pode tudo, inclusive desconstituir atos perfeitamente constituídos segundo a ordem jurídica do seu tempo, aí se instala a tirania do governo como causa e a desordem da sociedade como efeito, o que resulta na ou da insegurança jurídica típica do Estado de mera legalidade.
A distinção entre o verdadeiro Estado de Direito e o mero Estado de Legalidade funda-se no conceito de “Estado legal”, que foi uma das magníficas contribuições de Raymond Carré de Malberg para a Teoria Geral do Estado. Já em 1920, disse ele, definindo com absoluta precisão: “O Estado de direito é estabelecido simplesmente e unicamente no interesse e para a salvaguarda dos cidadãos: ele não tende senão a assegurar a proteção do seu direito ou do seu estatuto individual.” Mas, ao contrário, “o regime do Estado legal é orientado numa outra direção: ele se prende a uma concepção política que tem relação com a organização fundamental dos poderes, concepção segundo a qual a autoridade administrativa deve, em todos os casos e em todas as matérias, ser subordinada ao órgão legislativo, no sentido de que ela não poderá agir senão em execução ou por permissão de uma lei.” Dessa maneira, enquanto “o regime do Estado de Direito é concebido no interesse dos cidadãos e tem por finalidade especial premuni-los e defendê-los contra o arbítrio das autoridades estatais”, de sua parte “o Estado legal tende puramente a assegurar a supremacia da vontade do Corpo legislativo e não implica mais do que a subordinação da administração às leis.” O que faz com que o Estado legal venha a resultar, de fato, numa forma especial de governo incompatível com as garantias individuais. “Assim, desses dois regimes, um não visa senão a prover aos cidadãos certas garantias individuais, que podem se conciliar com todas as formas governamentais; o outro constitui por si mesmo uma forma especial de governo.”
Importantíssima, essa distinção entre o Estado de Direito e um Estado de mera legalidade, tendo por fulcro o reconhecimento e a atuação das garantias individuais em proteção dos direitos humanos, em todas as suas gerações, ou dimensões, ou conotações. É nesse sentido que o constitucionalismo brasileiro foi inovado quando se deu conta de que “o Estado de Direito, neste século XX, se transformou, para usar a expressão que Carré de Malberg cunhou, num mero Estado Legal. Este, em última análise, recusa a subordinação do Estado a um Direito a ele superior.” E, indo mais longe, o Estado legal “identifica Direito com o comando do Estado, de tal sorte que os direitos do homem são os direitos que o Estado lhes quiser reconhecer, que as leis são feitas pelo Estado, sendo irrelevante cogitar de seu conteúdo de justiça ou injustiça.”
Eis outro motivo – a proteção dos direitos humanos pelas garantias individuais – que demanda uma clara fixação do direito intertemporal. Isso, porque a elaboração e a aplicação das reformas constitucionais de que o Brasil precisa, ou venha a precisar, tais como a do organismo político, a da organização judiciária, a da previdência social, a do sistema tributário, deverão ser feitas sem quebrar o Estado de Direito em que a República brasileira se deve constituir, democraticamente. Tal, como a sua Constituição (art. 1o) comanda a todos os seus cidadãos. Acima de todos, aos que governam superiormente, nos três Poderes.
4. PODER CONSTITUINTE CONSTITUÍDO?
As normas constitucionais são originárias ou derivadas. As primeiras são as elaboradas pelo Poder Constituinte. Estão na origem da Constituição. As segundas são originadas das primeiras para reformá-las, devendo segui-las não só no curso do tempo, mas também no percurso de sua elaboração. As normas originárias dispõem “ex novo”. As reformadoras, “ex positis”. Desse modo, a reforma, como vem depois de posto o direito constitucional, percorre um procedimento de direito. Trata-se de um procedimento constituído pelo Constituinte na origem da Constituição para permitir reformá-la sem deformá-la, o que implica obedecê-la. Daí, por que – mesmo se admitida aí a existência de um poder – o poder de reforma não é constituinte, mas é constituído, não obstante introduza normas na Constituição por delegação do Poder Constituinte. Mera delegação, que não faculta a quem a recebe ir além do quanto lhe foi delegado.
Não existe entre nós poder constituinte de reforma, revisão ou emenda. O único e verdadeiro Poder Constituinte é aquele que tem sido chamado originário. É o que dá origem à Constituição. Ao originá-la, já prevendo inevitável a necessidade de modificá-la em decorrência da evolução histórica, o Poder Constituinte delegou ao Congresso Nacional e não a si próprio (não existe delegação a si mesmo) a tarefa de reformá-la e, para isso, impôs procedimento especial. Trata-se de um procedimento de reforma praticado pelo Poder Legislativo sob delegação do Poder Constituinte. Tanto, que a elaboração de emendas está inserida no Processo Legislativo (Constituição Federal, art. 59). A doutrina é que, indo além da realidade, transformou esse procedimento em poder constituinte constituído: uma absurda contradição de termos e de conceitos, que gera confusão entre a Constituição e a sua reforma.
Na realidade, o Congresso Nacional, quando reforma a Constituição, não atua como assembléia constituinte, mas como um órgão constituído, integrado na Constituição do Estado. Diferentemente do que tem ensinado a doutrina tradicional, nem sequer age com poder constituinte. Age por autorização do Poder Constituinte que o legitimou na origem da ordem constitucional em que o inseriu e à qual o submeteu. Por isso, não pode quebrá-la, sob pena de perder a legitimidade para a reformar. Em sua essência, a reforma é um procedimento constituído para ser ativado e praticado pelo Poder Legislativo, quando necessário. Insista-se nesta verdade: mesmo que aí se dê por existente um poder de reforma, ele não é poder constituinte, mas constituído. Nada constitui por força própria, em nome próprio, mas apenas age por força e em nome do Poder Constituinte que o originou no texto de uma Constituição, de cujo contexto normativo não pode escapar, a não ser inconstitucionalmente. Pelo que, como qualquer espécie normativa produzida infraconstitucionalmente, a emenda à Constituição deve manter a constitucionalidade, da qual um dos princípios é a irretroatividade das leis, a começar da Lei Maior, princípio e modelo das demais leis.
5. NÚCLEO CONSTITUCIONAL IRREDUTÍVEL
O dever de manter a constitucionalidade implica que o procedimento da reforma não pode alterar a Constituição fora dos limites e das condições por ela mesma constituídos. Se tanto fizer, não estará reformando, mas deformando a Constituição: golpeando-a. O golpe se torna mais destruidor, quando atinge os alicerces. Justamente para prevenir uma tal destruição das bases do Estado, foi que o Constituinte de 1988 vedou prejudicar – ou seja, tender a abolir – elementos essenciais da sociedade política brasileira, incluindo-os no núcleo irredutível da Constituição, arrolando-os em dispositivos que vieram a ser chamados de cláusulas pétreas. Esse núcleo consiste no parágrafo quarto com seus quatro incisos, apensado ao artigo sessenta da Constituição. Aí se fixam limitações materiais para a reforma da Constituição. Estatui-se que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir” as matérias aí especificadas, entre as quais se incluem expressamente “os direitos e garantias individuais” (inc. IV do § 4o do art. 60).
A expressão “tendente a abolir” foi de início entendida como significando “tendente a bulir”, o que levou a falar em núcleo ou cerne intocável, intangível, imodificável, da Constituição. No entanto, mais recentemente, essa expressão tem sido lida, por uma parte da doutrina, como significando a proibição de abolir no todo, sem ficar vedada a modificação para acrescer, bem como para diminuir, em parte. Não são de serem aceitas essas interpretações. Fosse uma dessas a vontade do Constituinte, ele teria dito “visando a bulir” ou “visando a abolir”, em vez de “tendente a abolir”. Em vez de “tender”, teria usado “visar” ou verbo eqüivalente, indicativo de finalidade ou finalização. Mas, com toda a clareza, usou de uma dicção que não se refere ao fim, ao término, ao resultado, mas ao meio, ao curso, à direção do processo legislativo. Ao dizer “tender” e não “visar”, indicou um rumo e não só um ponto de chegada. Sua intenção foi evitar, não só que se findasse por abolir no todo, mas também que se tendesse a abolir em parte – ou seja, vedou prejudicar – as matérias ali preceituadas. Em suma, vedou reduzir a compreensão e a extensão dos conceitos componentes dos preceitos postos neste núcleo constitucional. É possível incrementar, mas não reduzir os elementos essenciais da Constituição ali determinados. Daí, por que – em vez de outras denominações menos adequadas – a melhor é núcleo irredutível.
Também aí pode ser vista outra razão por que – tendo o Constituinte incluído os direitos e garantias individuais no núcleo irredutível da Constituição (inc. IV, § 4o, art. 60) e sendo a irretroatividade uma garantia constitucional – golpear os direitos constitucionalmente adquiridos é ferir a Constituição, mesmo que seja a título de emendá-la. Por fim, também aí claramente se evidencia por que – devendo a emenda manter a constitucionalidade – não se pode equiparar o poder de constituir com o poder de emendar a constituição. Como este só produz normas constitucionais por delegação daquele, não é constituinte, mas delegado do constituinte e, como não pode chegar aonde não chega o poder que lhe foi delegado, tem de respeitar o núcleo irredutível da Constituição: não pode prejudicar os direitos em si, nem as garantias constitucionais dos direitos, entre as quais se inclui o princípio da irretroatividade.
6. UM PRINCÍPIO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL
A irretroatividade da norma no tempo é princípio geral do direito e basilar do direito intertemporal. Como diz Clóvis Bevilaqua, é “uma regra de direito universal”. Sendo princípio de todo o direito, aplica-se às normas reformadoras da Constituição. Assim sendo, a reforma terá eficácia desde o momento em que entrar em vigor, mas sem retroação. É princípio geral: o efeito da reforma é imediato, mas não retroaje. Esse, sendo um princípio de todo o direito, também se aplica à reforma constitucional. O que incita a perguntar: qual o limite imposto ao efeito imediato para garantir que não retroaja? Como delimitá-lo para aplicá-lo?
No constitucionalismo brasileiro é sólida a tradição de que esse limite-garantia é o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Contudo, não apenas por direito solidamente tradicional, como também por direito reiteradamente legislado, esse limite é um preceito legislativo, mas – bem mais do que isso – é uma garantia constitucional. Hoje, estampada no inciso XXXVI do artigo 5o da Constituição Federal, que assegura que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” e que reproduz – como princípio constitucional – a regra que está no caput do artigo 6o da Lei de Introdução ao Código Civil.
Na França, na Itália, na Espanha, em Portugal e noutros países, não se confere à irretroatividade das normas jurídicas o status de princípio constitucional. Mas há sistemas constitucionais – pioneiramente o norte-americano e consecutivamente outros, como o mexicano, o brasileiro, o norueguês – que erigiram a não-retroatividade em princípio da própria ordem constitucional, impresso e expresso no texto de suas constituições.
No Brasil, a Constituição do Império (art. 179, inciso III) e a Constituição republicana de 1891 (art. 11, item 3o) já haviam proibido leis retroativas. Esse princípio tem, portanto, entre nós, inegavelmente, uma robusta natureza constitucional. Como lembrou o Professor e Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, em brilhante aula, “é uma constante nas Constituições republicanas”, sendo certo que somente “a Carta Política de 1937 retirou o status constitucional do princípio”. Mas até mesmo “é compreensível que isto tenha ocorrido, dado que a Carta de 1937 simplesmente deu forma à ditadura do Estado Novo.” Sem dúvida alguma, aquela solidez tradicional e esta constância de positivação constitucional dão maior vigor e amplitude ao princípio da irretroatividade no Brasil, do que nos países onde é apenas preceito de direito civil ou de doutrina.
7. DELIMITAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
Apesar de revestir rigorosamente o traje constitucional, a irretroatividade era um princípio vago, abstrato e geral. Para efetivar o vigor, era preciso restringir a amplitude. Como concluiu Clóvis: “O que convinha era determinar o conteúdo do princípio, a sua extensão e a sua finalidade.” Essa determinação veio com a Constituição de 1934, cujo artigo 113, em seu número 3, preceituou pioneiramente: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Esse preceito foi olvidado pela Carta autoritária de 1937. É fato notório que ele não convém ao autoritarismo. Por isso, quando em 1942 Vargas baixou um decreto-lei para substituir a lei original de introdução ao Código Civil, aí deixou expressa a ressalva autoritária contra o direito adquirido. Leia-se o seu artigo 6o: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito.” A ressalva mostra que, quando a serviço do autoritarismo, a lei – até decreto-lei ou medida provisória – pode desconstituir um direito que fora adquirido a partir de um ato jurídico perfeito ou de uma coisa julgada.
Felizmente, contra essa possibilidade autoritária, esses três elementos readquiram o valor de garantia constitucional em 1946 e não mais o perderam. Na história do Brasil, essa redação só foi excepcionada por regimes autoritários. Além do Estado Novo de Vargas, também o recém-findo regime militar, sob o império dos seus dezessete atos institucionais e dezenas de atos complementares, quebrou várias vezes o princípio da irretroatividade das leis e do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. De fato, um regime autoritário não pode conviver com esses princípios.
8. ESSÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL
No fundo, há íntima correlação entre esses três elementos garantidos. Formam eles um conjunto de garantia, pois o direito adquirido depende ou resulta do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada. Dessa maneira, inevitavelmente, qualquer relativização da coisa julgada acarreta efeitos sobre os direitos dela decorrentes, inclusive os havidos por adquiridos. Igual repercussão advirá na hipótese de apreciação judicial de atos considerados perfeitos, que no entanto jamais foram submetidos ao Poder Judiciário. Assim se poderá proceder com relação às hiperaposentadorias, cuja remuneração sobe a níveis altíssimos, que beiram ou chegam até a três vezes a remuneração básica de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, constituindo verdadeiros privilégios individuais, não raro provindos de leis aparência geral, mas de efeito realmente singular, nas quais só falta carimbar o nome ou colar a fotografia do beneficiado. Valendo aqui lembrar que – se a aquisição se deu em decorrência de um ato jurídico aparentemente perfeito, mas realmente imperfeito, ou de uma coisa julgada ilegal ou inconstitucional – na verdade não se tem um direito adquirido, ainda que se diga ou se considere que ele esteja "adquirido".
Tendo em vista essa correlação – implicância inevitável – entre esses três elementos, é que Rubens Limongi França sumarizou no direito adquirido a essência dessa garantia. "Em suma, o limite do efeito imediato é o Direito Adquirido em sentido amplo, de modo a abranger as outras duas noções, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada."
Historicamente, enunciar esses três elementos – direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada – derivou da necessidade de pôr marcas mais concretas para dar mais alcance prático à idéia de não-retroatividade da lei, completando uma evolução iniciada no direito romano. Já entre os romanos era regra inexorável que "leges et constitutiones futuris certum est dare formam negotiis, non ad facta praeterita revocari." Indubitavelmente se firmaram na prática e na teoria da hermenêutica jurídica princípios tais como "tempus regit actum" e "lex prospicit, non respicit", para deixar confirmado que cada ato jurídico se rege pela lei do seu tempo e que a lei é prospectiva e não retrospectiva. Em suma, a lei nova não retrocede ao passado para desconstituir os atos jurídicos já perfeitamente constituídos conforme a lei do seu tempo.
Todos os tratadistas o afirmam e Gabba, tratadista maior do tema, confirma que, ao fim dessa evolução que vem desde o direito romano, ficou definitivamente apurado que a verdadeira razão e o verdadeiro limite da retroatividade das leis consiste, unicamente, no respeito aos direitos adquiridos". Essa apuração definitiva significa que, para a doutrina, não resta dúvida de que o direito adquirido sumariza a essência da garantia de irretroação. O que eqüivale a pronunciar um taxativo princípio de doutrina e de interpretação do Direito: é o direito adquirido que, em suma, inibe e limita a retroação da lei nova.
9. ALCANCE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL
O direito comparado ensina que, enquanto no Brasil é princípio constitucional, em outros países a irretroativadade é preceito doutrinário e legal. “Em quase todos os países o princípio da irretroatividade apenas se encontra na doutrina e nas leis ordinárias”, de modo que neles a necessidade de banir a retroatividade das leis “constitui um ensinamento para o legislador, porém só obriga o Poder Judiciário ao interpretar e aplicar os textos”. Entretanto, “no Brasil e nos Estados Unidos paira mais alto o postulado: na própria Constituição Federal. De lá ele domina, soberano, todos os poderes, tanto da União como dos Estados.” Dessa maneira, por coerência e conseqüência, o alcance do efeito é total: “Não se admitem leis, regulamentos, decretos, portarias, nem interpretações judiciais de textos, com efeito retroativo.” Como também é radical: “As transgressões do preceito incorrem em nulidade de pleno direito, absoluta, insanável.”
No entanto, após serem praticadas, essas transgressões, para serem sancionadas com uma nulidade assim definitiva, podem e devem ser apuradas pelo sistema de controle de constitucionalidade, que a Constituição brasileira, com vistas a reforçar sua autopreservação, instituiu em duas vias: na via direta, em abstrato, na via difusa, em casos concretos. Em ambas as vias, seja por ação direta, seja por recurso, o Supremo Tribunal Federal atua como guardião da Constituição e, nessa guarda, ele tem sido freqüentes vezes o pronto-socorro ou o asilo final da cidadania, quando os cidadãos são oprimidos e os seus direitos atropelados pelo Governo ou pelo Congresso Nacional ou por ambos em coalizão.
Guarde-se bem: no Brasil, como nos Estados Unidos, mas diversamente de outros países, como a França e a Itália, o princípio da irretroatividade – concretizado no respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada e sumarizado no direito adquirido – é garantia constitucional, imposta a todos os poderes constituídos, a começar do Legislativo. Não é só regra de lei ordinária, que se impõe ao Judiciário, podendo ser reformada pelo Legislativo ou por medida provisória do Executivo. Guarde-se bem esse status de garantia constitucional, porque nele está a chave que – a partir de um antológico voto do Ministro Moreira Alves – fechou as portas da jurisprudência para a tese de que o direito adquirido não prevalece contra as leis de ordem pública.
Nesse voto, citando Paul Roubier – um dos clássicos da teoria do direito intertemporal – Moreira Alves consigna que “a idéia de ordem pública não pode ser posta em oposição ao princípio da não-retroatividade da lei, pelo motivo decisivo de que, numa ordem jurídica fundada na lei, a não-retroatividade das leis é ela mesma uma das colunas de ordem pública”, de modo que “a lei retroativa é, em princípio, contrária à ordem pública”.
Não mais resta nenhuma dúvida: “A retroatividade das normas de Direito Público hoje constitui um princípio abandonado.” Igualmente, há muito tempo, o Professor Reynaldo Porchat afirmou que, além de ser dificílimo discriminar nitidamente aquilo que é de ordem pública e aquilo que é de ordem privada, “seria altamente perigoso proclamar como verdade que as leis de ordem pública ou de direito público têm efeito retroativo, porque mesmo diante dessas leis aparecem algumas vezes direitos adquiridos, que a justiça não permite que sejam desconhecidos e apagados.” Ademais, reafirmou que, no caso de haver direitos adquiridos nas relações jurídicas já existentes, “a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um motivo de ordem pública não basta para justificar a ofensa ao direito adquirido, cuja inviolabilidade, no dizer de Gabba, é também um forte motivo de interesse público.”
Por fim, Pontes de Miranda esclarece – quanto às normas de direito público, referindo por exemplo as de direito administrativo, as de direito processual e as de organização judiciária – que ter efeito imediato não implica retroagir: “tais regras jurídicas não precisam retroagir, nem ofender direitos adquiridos, para que incidam desde logo. O efeito, que se lhes reconhece, é normal, o efeito no presente, o efeito imediato, pronto, inconfundível com o efeito no passado, o efeito retroativo, que é anormal.”
Desse modo, o princípio da irretroatividade prevalece contra lei de ordem pública, porque ele é uma das colunas em que se sustenta a própria ordem pública, como também porque nenhuma lei – nem sequer as de direito público – precisa retroagir para ter efeito imediato. Mas esse princípio sobressai ainda mais, porque ele é uma garantia constitucional e, nessa qualidade, impõe-se a todos os Poderes constituídos e, antes de todos, ao Poder Legislativo, ao proibir que a lei prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme determina o inciso XXXVI do artigo 5o da Constituição Federal.
Parece que aí o termo lei tem sentido estrito. Abrangeria somente leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, em suma, as leis. Mas essa garantia – exatamente por ser constitucional – atinge todas as normas elaboradas infraconstitucionalmente, a principiar pelas espécies normativas primárias, assim ditas porque seu processo legislativo é previsto e regulado diretamente pela Constituição, a qual inclui entre elas as emendas a si própria, como consta inequivocamente do artigo 59. Todas as espécies arroladas nesse artigo estão compreendidas no processo legislativo realizado sob o comando da Constituição e, por isso mesmo, ficam igualmente submetidas às garantias constitucionais, entre as quais pontifica o princípio geral da irretroatividade.
Por conseguinte, não se pode fazer por emenda constitucional o que não é possível fazer por lei. Por exemplo, se é inconstitucional instituir a tributação dos inativos por lei, também o será por emenda constitucional. Pudesse qualquer espécie infraconstitucional subverter os direitos e as garantias individuais, desconstituindo a juridicidade constituída anteriormente sob o teto da mesma Constituição, então se instauraria o caos jurídico dentro do edifício jurídico por ela coberto. Diferentemente seria, se em vez de emenda se estivesse elaborando uma nova Constituição, dando início a uma ordem jurídica descomprometida com a ordem anterior. Aí estaria atuando, não um poder de reforma, mas o Poder Constituinte, com a inicialidade que o deixa incondicionado pelo direito positivo anterior.
O poder de reforma não tem a força constituinte que somente se manifesta pela revolução. Juridicamente, a revolução se define como sendo qualquer mudança da Constituição, com ou sem sublevação social, mas sempre fora dos limites e dos procedimentos por esta estabelecidos. Pelo que, se a título de reformar se quebrar algum limite nela fixado, não se estará fazendo reforma da Constituição, mas revolução contra a Constituição. No fundo, no quanto for assim subvertido, em verdade se estará fazendo uma Constituição nova, divergente ou até oponente da Constituição modificada. Portanto, o princípio maior – não retroagir – e o princípio decorrente em que ele se concretiza – respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada – incidem como garantia constitucional sobre todas as normas elaboradas sob o teto da Constituição, inclusive sobre as emendas constitucionais. Nenhuma delas pode abalar as vigas – os princípios – que sustentam esse teto. Sob pena de deixar a ordem jurídica a céu aberto.
Firmados tais princípios, sobre eles se firmam regras que os correlacionam com os fatos e os direitos subjacentes. Óbvio, que a validez dos princípios convalida as regras que neles corretamente se assentarem.
10. REGRAS DA IRRETROATIVIDADE
“As leis, desde o momento em que se tornam obrigatórias, põem-se em conflito com as que, anteriormente, regulavam a matéria, de que elas se ocupam, regulando-a por outro modo. É o conflito das leis no tempo, que se resolve pelo princípio da não-retroatividade e pelas regras do direito intertemporal.” Cumpre, pois, deduzir as regras intertemporais que versam sobre a irretroatividade.
No momento em que entra em vigor uma norma, em referência a ela os fatos ficam dispostos em três categorias temporais: os que já estão passados, os que ainda estão passando, os que ainda não começaram a passar. A doutrina, afeita ao latim, chama facta praeterita os fatos anteriores à incidência, facta pendentia os contemporâneos à incidência e facta futura os posteriores à incidência de uma norma.
Aplicado o princípio da irretroatividade em correlação com essas categorias, resulta que os facta praeterita estão plenamente fora e os facta futura plenamente dentro do campo de incidência da reforma, ao passo que os facta pendentia estão parcialmente fora e parcialmente dentro desse campo. Eis a regra geral. Vale dizer: a reforma não atinge em nada os fatos passados, atinge em tudo os fatos futuros, atinge em parte os fatos pendentes.
Há pouco a discutir quanto aos fatos passados e aos fatos futuros. Os fatos futuros são plenamente colhidos pela reforma e os fatos passados não o são em nada. Por regra, os fatos passados e os fatos futuros são regidos pela lei do tempo em que foram ou forem praticados: o tempo rege o ato (tempus regit actum). No entanto, alguma lei pode excepcionar o princípio e retroagir sobre fatos passados. Mas a retroação tem de ser autorizada pelo ordenamento jurídico, em regra expressa, sob pena de o violar. Essa regra é indispensável, deve ser expressa, porque a lei retroativa é em princípio contrária à ordem pública e, por isso, só excepcionalmente o legislador pode comunicar a uma lei a retroatividade. De mais a mais, se o Estado de Direito, em vez de constituição costumeira, revestir por escrito a qualidade de Estado Constitucional, então qualquer exceção à irretroatividade tem de ser expressamente autorizada pela Constituição. A regra excepcionante há de ser constitucional. No Brasil, a Constituição permite retroagir a lei penal benéfica (inciso XL do art. 5o) e, afora essa exceção única, a retroatividade é proibida em qualquer de seus graus.
Matos Peixoto – após explicar que se chamam leis retroativas as que retrocedem no tempo para alcançar “fatos pretéritos ou os seus efeitos” – aduz que “a força retroativa da lei não tem sempre a mesma intensidade”. O que leva a distinguir três graus de retroatividade: máxima, média e mínima. “Dá-se a retroatividade máxima, também chamada restitutória, quando a lei nova prejudica a cousa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos já consumados.” Desse tipo, por exemplo, é “a lei canônica que aboliu a usura e obrigava o credor solvável a restituir ao devedor, aos seus herdeiros ou, na falta destes, aos pobres os juros já recebidos.” Menos radical, a média. “A retroatividade é média, quando a lei nova atinge as prestações exigíveis mas não cumpridas antes da sua vigência. Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de juros e se aplicasse aos já vencidos mas não pagos.” Finalmente, “a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor.” Aqui, Matos Peixoto dá como exemplo “a constituição de Justiniano que limitou a 6% em geral, após a sua vigência, a taxa de juros dos contratos anteriores.”
Nenhum desses graus de retroação é admitido no Estado Constitucional de Direito. Nenhum. Terminantemente. Tal, como afirmou o Ministro Carlos Velloso, na aula já referida: “Nenhuma dessas retroatividades a Constituição brasileira permite.” Essa vedação plena é reiterada, expressamente, por muitos dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal. O Ministro Ilmar Galvão foi igualmente incisivo: “Na ordem jurídica brasileira, em que o princípio da irretroatividade, associado ao do direito adquirido, é tratado em nível constitucional, desde a Constituição do Império – somente a Carta de 1937, que deu forma à ditadura estadonovista, é que, compreensivelmente, não cuidou do tema – nenhuma das irretroatividades acima indicadas – máxima, média e mínima – é tolerada.”
O Ministro Moreira Alves foi mais longe. Além de falar com igual firmeza, deixou clara a proscrição de toda a retroação, inclusive da retroatividade chamada de mínima ou mitigada, admitida por colocações doutrinárias estrangeiras – e, realmente, estranhas ao direito brasileiro – como as de Planiol e Roubier. “Essas colocações são manifestamente equivocadas, pois dúvida não há de que, se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado.”
O que não impede surgirem dúvidas sobre qual parte de um fato que está passando – factum pendens que é factum continuum – já é passado e gera direito adquirido em relação à reforma. Daí, a pergunta inquietante: quais são os parâmetros das pendências?
11. PARÂMETROS DAS PENDÊNCIAS
No momento em que incide a reforma, ganhando vigor, paralelamente aos facta pendentia (fatos pendentes), há os iura pendentia: direitos pendentes. Mas tais pendências jurídicas resultam em duas categorias: iura pendentia acquisitione e iura pendentia exercitatione. A saber: direitos pendentes de aquisição e direitos pendentes de exercitação.
Na primeira categoria ficam os direitos que ainda dependem de aquisição por inadimplemento de uma ou mais de uma condição aquisitiva. Aqui, a reforma atingirá diretamente a causa de aquisição do direito e, no quanto atingir, modificará as condições aquisitivas, para melhor ou para pior. Contudo, somente atingirá o quanto não foi ainda adquirido. Se a condição aquisitiva for um ato ou fato contínuo (actum vel factum continuum), como o exercício de um cargo ou função, ou a prática constante de uma atividade, então a parte já transcorrida não será alcançada pela lei nova, sob pena de estar havendo retroação.
Daí que, na transição de um regime previdenciário para outro, com aumento da idade mínima ou do prazo de exercício necessários para aposentar-se, são rigorosamente indispensáveis normas transitórias, proporcionais, semelhantes às que constam da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998; normas essas, a que o jargão chama de “pedágio” a ser “pago” para passar de uma situação jurídica à outra superveniente. Sob pena de, no quanto não respeitar a parte já transcorrida no curso de aquisição do direito, a reforma ser inconstitucional.
Na segunda categoria estão os direitos que dependem apenas de exercitação, vale dizer, de execução ou de exercício pelo titular que os adquiriu ou por representante ou sucessor seu. O direito está adquirido, porque já estão implementadas todas as suas condições aquisitivas. Apenas ainda não foi exercitado. Mas a sua execução e o seu exercício estão compreendidos na sua aquisição, sob pena de ser adquirida uma coisa e, depois, recebida outra, o que resultaria em evidente contradição, se não em fraude, do próprio Direito.
Daí, que no caso dos facta pendentia exercitatione o direito está adquirido em todas as suas condições e, quando vier a ser executado ou exercido, deverá manter consonância com as condições de sua aquisição. Age bem, portanto, uma reforma da previdência social que, em respeito ao direito adquirido, mas também em atenção ao interesse público, bonifica os servidores que permanecem em atividade em seus cargos ou funções, embora já tenham implementado todas as condições da aposentadoria. Entretanto, a reforma não age com igual correção, quando reduz a aposentadoria dos inativos a título de tributação, porque a lei tributária também está sujeita ao respeito ao direito adquirido, não o podendo deprimir qualitativa ou quantitativamente.
Falso, portanto, o argumento que – para justificar a sobrevinda de uma depressão de caráter específico, cuja incidência post factum agride deliberada e somente os que já estão exercendo o direito adquirido, ou seja, os chamados inativos – procura compará-la com a imposição, concomitante para todos, de tributos ou padrões de caráter geral, como o imposto de renda ou o teto de remuneração.
De mais a mais, o que se considera adquirido não é o direito à aposentadoria em si mesma, em abstrato, em quaisquer condições, mas sim o direito a uma aposentadoria em concreto, nas condições qualitativas e quantitativas que determinaram a sua aquisição e nas quais ela foi adquirida – e, portanto, deve ser exercida, sob pena de fraudar o direito que foi conquistado legitimamente. Todo direito é adquirido numa situação concreta; e não em abstrato. O que está adquirido em cada caso é o que se adquire naquele caso, nas condições em que se adquiriu, as quais, se mudarem, estarão inovando um direito já suficientemente aperfeiçoado, o que não se admite a não ser no caso da “lex melior” (lei melhor), pois esta o aperfeiçoará ainda mais.
Dessarte, se o direito se enquadra na categoria dos facta pendentia acquisitione, ele não está adquirido no que tange às condições ainda pendentes, devendo na transição ser respeitadas as condições já satisfeitas, proporcionalmente, no quanto foram realizadas; mas, se ele remanesce na categoria dos facta pendentia exercitatione, está adquirido em todas as condições determinantes de sua execução e de seu exercício segundo a lei anterior, mesmo que pendente de um termo prefixado ou de uma condição preestabelecida para ser exercitado, devendo ser fruído nas mesmas condições em que foi adquirido, sem nenhum detrimento ou redução das causas nem dos efeitos que delas resultam e com elas interagem.
12. CONCLUSÃO
A conclusão abrange o princípio e duas regras, a geral e a especial. A saber:
Princípio: a irretroatividade das leis e os elementos que a concretizam – o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada – constituem princípios do direito e bases do direito intertemporal e, no Brasil, garantias constitucionais dos direitos individuais, que não podem ser prejudicadas de forma alguma, por nenhuma espécie normativa infraconstitucional, nem sequer por emenda constitucional, pois fazem parte do núcleo irredutível da Constituição, enquadradas no inc. IV do § 4o do art. 60.
Regra geral: a reforma tem efeito imediato a partir do momento em que entrar em vigor e, tendo por referência esse momento, a reforma não atinge em nada os fatos passados, atinge em tudo os fatos futuros, atinge em parte os fatos pendentes.
Regra especial: no momento em que a reforma os atingir, os direitos que sejam fatos pendentes (iura pendentia) podem estar dependendo de aquisição (iura pendentia acquisitione), por inadimplemento de uma ou mais de uma condição aquisitiva; neste caso, a parte já implementada das condições de aquisição tem de ser respeitada, para o que são imprescindíveis as normas proporcionais de transição; ou, então, podem estar dependendo somente de execução ou exercício (iura pendentia exercitatione), já estando adquirido por estarem atendidas todas as suas condições aquisitivas, devendo o direito pendente de execução ou de exercício ser exercitado nas mesmas condições em que foi adquirido, não se admitindo nenhuma forma de retroatividade, nem sequer a média ou a mínima, que atingiriam os efeitos do ato jurídico perfeito, impondo detrimento ou redução ao direito adquirido em decorrência dele, de modo que, na mesma proporção em que seja deformado o efeito, também se atingiria a causa que o formou, modificando-a retroativamente.
Eis o princípio e as regras. Ao concluir essas normas de transição intertemporal, com vistas à necessária reforma da previdência social, assim como de outros setores que seja preciso reformar, no Estado brasileiro, a doutrina tem a esperança de que cada agente dos Poderes maiores da República, a seu momento e em sua função, saberá garantir o Estado de Direito contra o Estado de mera legalidade, evitando que se mascare de lei a negação do direito.
13. RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PORCHAT, Reynaldo. Curso elementar de direito romano. 2. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1937.
SECONDAT, Charles-Louis de, Barão de la Brède e de MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. Texto estabelecido com uma introdução, notas e variantes, por Gonzague Truc. Paris: Éditions Garnier Frères, 1949, 2 tomos.
O artigo 16, penúltimo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, proclama: "Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição." (Cf. L. DUGUIT, H. MONNIER, R. BONNARD. Les constitutions et les principales lois politiques de la France depuis 1789. 7a ed. por Georges Berlia. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1952. p. 3. Traduzi.) Obviamente, nesse penúltimo artigo da Declaração de 1789, os direitos de cuja garantia aí se fala são os direitos adquiridos pelo homem e pelo cidadão, seja em função de sua própria natureza humana, seja por legislação do Estado em que a sociedade política se constitui. Sublinhe-se que a luta histórica travada no final do século XVIII pelo liberalismo nascente contra o absolutismo decadente não se dirigiu contra a monarquia como forma de governo, mas contra o absolutismo como regime político, que decaíra para o arbítrio. Pelo que, onde foi possível, manteve-se a forma monárquica de governo, apenas se esvaziando o seu conteúdo político arbitrário pela transformação do absolutismo em parlamentarismo ou semiparlamentarismo. Mas, onde isso não foi possível, proclamou-se e difundiu-se na era contemporânea uma nova forma de governo: a república, que muito difere das repúblicas antigas e medievais, apesar da coincidência de nome. Como bem lembra Carlos Valder, em obra por ele coordenada. (Cf. NASCIMENTO, Carlos Valder, coordenador. Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 10.) Por metonímia, sobreveio a transnominação: o conteúdo do livro lhe deu o nome. O nome transferiu-se do conteúdo ao continente, ou seja, por conter a constituição escrita do Estado, também o livro passou a chamar-se constituição. Sendo assim, o termo "constituição" é analógico ou análogo: tem significados vários, mas próximos entre si, dos quais é preciso bem distinguir a acepção, para evitar a confusão. Para exprimir este fato comum na vida quotidiana, consistente em mudar algo na forma sem nada mudar no conteúdo, o jargão popular muito expressivamente diz "trocar seis por meia dúzia". Refere-se como "clássica" a separação de poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, mas tal como teorizada por Montesquieu no célebre capítulo VI do livro XI de sua obra "Do espírito das leis". (Cf. SECONDAT, Charles-Louis de, Barão de la Brède e de MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. Texto estabelecido com uma introdução, notas e variantes, por Gonzague Truc. Paris: Éditions Garnier Frères, 1949. tomo I. p. 163 s.) Cf. BARROS, Sérgio Resende de. Licitação e contrato: a crise da licitação. 2a ed. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999. p. 47 s. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor (Apoio: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional), 2002. p. 98. Direito intertemporal, dito também direito transitório ou direito de transição, é o ramo do Direito que provê normas jurídicas – princípios e regras – destinadas a disciplinar a transição no tempo de uma normação jurídica à outra que a sucederá, evitando ou resolvendo os conflitos de leis possíveis ou havidos nessa evolução. Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Commentarios á Constituição Brasileira. 2a edição, ampliada. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, Editor. 1923. p. 234. Atualizei a ortografia do trecho citado. Cf. MALBERG, Raymond Carré de. Contribution a la théorie générale de l’État. Edição fotomecânica. Paris: Recueil Sirey, 1920. tomo I. p. 490 s. A respeito das gerações de direitos humanos, ver: BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003. passim. Do mesmo autor, no "site" http://www.srbarros.com.br na Internet, acessar o artigo "Gerações de Direitos" e a aula universitária "Noções sobre Gerações de Direitos". Inovação fértil de conseqüências positivas, dissipadora de confusões, trazida da França por Ferreira Filho. (Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 39.) Essa expressão foi, de pronto, recusada por parte da doutrina. Mas se impôs porque diz com precisão o que tem de ser dito: são cláusulas constitucionais em cujos conteúdos a Constituição escrita atinge a sua máxima rigidez e como que se petrifica. Daí, por que os argentinos – que, ao que consta, são os autores da expressão – de preferência as chamam de “contenidos petreos”. Cf. BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil. 6 vol. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1944. vol. I, p. 99. Cf. BEVILAQUA, Clóvis. Código... op. cit. p. 99. Trata-se do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Foi publicado no Diário Oficial da União de 9 de setembro e retificado em 17 de setembro, mas somente entrou em vigor em 24 de outubro ex vi do Decreto-lei n. 4.707, de 17 de setembro, do mesmo ano. Embora dito e anexado ao Código Civil como lei que o introduz, seus dispositivos são princípios basilares do direito que se estendem a todos os demais códigos e leis, cedendo apenas ao império da Constituição, à qual, no entanto, remanesce intimamente ligada, pelo seu conteúdo materialmente constitucional, ainda que não equiparada a ela pelo seu vigor formal. A respeito da coisa julgada inconstitucional, são preciosos os estudos dos autores Carlos Valder do Nascimento, Cândido Rangel Dinamarco, José Augusto Delgado, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, reunidos sob a coordenação do primeiro. (Cf. NASCIMENTO, Carlos Valder, coordenador. Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.)
FRANÇA, Rubens Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1982. p. 202. Traduz-se: "O certo é as leis e as constituições darem forma aos negócios futuros e não serem dirigidas aos fatos pretéritos" (Código de Justiniano, L. 1o, tít. 14, n. 7). Traduz-se: "o tempo rege o ato" e "a lei olha para a frente, não olha para trás". Apud BEVILAQUA, Clóvis. Código... op. cit. p. 99. Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Commentarios á Constituição Brasileira. op. cit. p. 234. Atualizei a ortografia. Carlos Maximiliano especifica as principais leis que pertencem à classe das leis de ordem pública. (Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 216 s. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 493-DF pelo Supremo Tribunal Federal em sessão plenária (cf. R.T.J.–143, p. 724 usque 815). Este voto do Ministro Moreira Alves tem pautado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no quanto tange à garantia de irretroatividade das leis. Como disse seu colega, o Ministro Carlos Velloso, manifestando sua concordância, trata-se de "um magnífico acórdão do Supremo Tribunal Federal, de que foi Relator o Ministro Moreira Alves (Adin 493-DF, em “DJ” de 4.9.92), em que o tema foi extensamente debatido." MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. São Paulo: Livraria Editora Freitas Bastos, 1946. p. 327.) PORCHAT, Reynaldo. Curso elementar de direito romano. 2. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1937. vol. I. p. 129. Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituiçào de 1967; com a Emenda n. 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. tomo V. p. 99. O grifo é do autor. BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Atualizada por Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua. 7 ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955. p. 17. Tal, como consta no voto do Ministro Moreira Alves, já supramencionado, proferido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 493-DF (cf. R.T.J.–143, p. 746; cf. tb. DJ de 4.9.92). Cf. PEIXOTO, José Carlos de Matos. Curso de direito romano. tomo I. Partes introdutória e geral. Rio de Janeiro: Companhia Editora Fortaleza, 1950. p. 199 s. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 493-DF pelo Supremo Tribunal Federal em sessão plenária (cf. R.T.J.–143, p. 784; cf. tb. DJ de 4.9.92). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 493-DF pelo Supremo Tribunal Federal em sessão plenária (cf. R.T.J.–143, p. 745; cf. tb. DJ de 4.9.92).